Em julho de 2025, uma revisão sistemática publicada por pesquisadores da Universidade de Copenhague (Dinamarca) e da Universidade de São Paulo (USP) causou preocupação na comunidade científica e educacional: metade dos estudos sobre TDAH em adultos apresenta falhas graves na metodologia de diagnóstico.
A análise avaliou 292 ensaios clínicos controlados, amplamente usados como referência em diretrizes médicas e psicológicas, e apontou uma série de inconsistências que comprometem a confiabilidade de seus resultados.
Quais são os principais problemas encontrados?
Entre as falhas identificadas, destacam-se:
- Ausência de avaliação diagnóstica rigorosa:
Cerca de 50% dos estudos não aplicaram instrumentos clínicos padronizados para confirmar o diagnóstico de TDAH. Em muitos casos, o diagnóstico foi feito por autorrelato dos participantes, sem validação de um profissional. - Falta de exclusão de diagnósticos diferenciais:
Transtornos como ansiedade, depressão, transtorno bipolar e abuso de substâncias não foram devidamente descartados — o que pode ter confundido os resultados e levado à inclusão de indivíduos com outras condições. - Comorbidades mal controladas:
Muitos estudos incluíram participantes com comorbidades psiquiátricas, mas não analisaram o impacto disso nos resultados, nem distinguiram o efeito dos tratamentos no TDAH versus nas outras condições presentes. - Uso de ferramentas diagnósticas automatizadas:
Em casos extremos, os pesquisadores encontraram ensaios em que o “diagnóstico” foi realizado por inteligência artificial ou questionários online, sem qualquer validação clínica presencial.
O que isso significa para os psicopedagogos?
Essa revisão lança um alerta importante para profissionais que atuam com adolescentes, jovens e adultos buscando avaliação para TDAH — especialmente em contextos de queixas como:
- Baixo rendimento acadêmico;
- Desorganização crônica;
- Dificuldade de concentração em estudos ou atividades profissionais;
- Queixas de memória, impulsividade ou hiperfoco.
Veja os impactos diretos:
1. Cautela na interpretação de estudos e diretrizes
Antes de adotar qualquer estratégia baseada em evidência, é preciso verificar a qualidade da evidência. Diagnósticos frágeis geram conclusões frágeis.
2. Evitar uso superficial de rótulos
Nem toda queixa de desatenção é TDAH. Muitos sintomas similares podem ter outras causas, como trauma, sobrecarga emocional, privação de sono, ansiedade ou disfunção executiva associada a contextos ambientais.
3. Valorizar avaliações interdisciplinares
O psicopedagogo deve trabalhar junto a médicos, psicólogos e neurologistas para compor uma visão abrangente do paciente, incluindo histórico de desenvolvimento, perfil cognitivo e contexto familiar/ocupacional.
4. Atenção ao risco de medicalização indevida
Diagnósticos apressados podem levar a uso equivocado de medicamentos estimulantes, o que pode mascarar outras dificuldades reais e não solucioná-las na raiz.
Um chamado à ética na prática profissional
Mais do que uma crítica à ciência, essa revisão é um chamado à responsabilidade: diagnósticos psiquiátricos são complexos, e a pressa em rotular pode prejudicar mais do que ajudar.
Para os psicopedagogos, a principal lição é recuperar a escuta atenta, a análise contextual e a triangulação de informações como base da avaliação.
Como destaca a pesquisadora líder do estudo:
“É preciso diferenciar um transtorno neurobiológico de uma resposta funcional ao sofrimento ou à desorganização do ambiente. Senão, tratamos sintomas sem entender suas causas.” – Dra. Anne Madsen, Universidade de Copenhague
Conclusão: Diagnóstico responsável é também ato pedagógico
Para além da clínica, o psicopedagogo tem a missão de descomplicar os diagnósticos, traduzir suas implicações para a prática educativa e, principalmente, evitar que um nome se torne uma sentença.
TDAH não é moda, nem desculpa. É uma condição real, que exige abordagem técnica, sensível e, acima de tudo, humana. E é papel do profissional da aprendizagem garantir que nenhuma decisão seja tomada com base em achismos ou pressões institucionais.
Referência de apoio
Artigo original: Journal of Clinical Psychiatry – July 2025 Edition
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